quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

ESTÁ GRAVADO NA PEDRA

2002. Completávamos mais de duas décadas reclamando e culpando o outro pela falta de zelo com nossa segunda casa. Recordei-me que, quando menino, saciei minha fome construindo a minha primeira caixa de engraxate a partir de pedaços de madeira, pano e escovas que iriam para o lixo. Levantei a cabeça e decidi colocar fim na covardia e omissão, minha e de meus pares. Aos poucos fui percebendo que gastava mais tempo atrás de alguém que pudesse me ajudar a resgatar a dignidade perdida, do que me dedicando à conquista dela. Passei então a relatar, em milhares de páginas, as irregularidades que ia descobrindo. Na Justiça, ganhava dezenas de decisões favoráveis, mas não as levava. Finalmente, o Ministério Público obrigou o Ministro do Trabalho a realizar as eleições limpas no Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo, o Crefito-SP...

2004. Chegamos ao poder. Dois cachorros da raça pastor alemão guardavam a entrada da nossa segunda casa. Com a determinação judicial e a ajuda da força policial, cruzamos o portão do isolamento. Os cães foram acorrentados e os seguranças dispersos. Máquinas de picotar papel, documentações destruídas, computadores formatados... a cena era de devastação. O cheiro de mofo exalava das paredes grampeadas com câmeras e microfones. Naquela casa alugada e suja estavam abrigadas duas jóias preciosas: Fisioterapia e Terapia Ocupacional.
Lembrei-me do caminhão da minha primeira migração, estacionando na frente de um casebre coberto pela poeira de pó de cimento e infernizado pelo trem de ferro. Tinha 8 anos de idade e carregava um forte sentimento de insatisfação. Mamãe estava dividindo um ovo para alimentar os filhos, quando apontou o caminho do futuro. Queria ganhar dinheiro para comprar uma travessa de vidro temperado que se leva ao forno. Aquele casebre, com utensílios de ferro enferrujado, não era digno de nossas vidas. O vidro temperado representava o novo, o moderno, a vida melhor que queríamos ter.
A história se repetia. Como podíamos nós, profissionais treinados na arte de socorrer a vida, ter deixado a irresponsabilidade e o descaso florescer em nossa própria casa? Depois de vistoriar toda aquela destruição, fui para Avenida Paulista, uma das principais artérias urbanas do mundo. Vi os prédios espelhados, exibindo o cuidado e o progresso. Nos olhos fechados, ia projetando as cenas do casebre, da fome e do vidro temperado. Chorei de indignação e pedi a Deus que me ajudasse a construir uma moradia digna para nossas profissões.
2009. Inauguramos um prédio espelhado, com 2.400 metros quadrados de área construída, de 12 andares, no coração da metrópole paulista. É a nona sede que compramos no Estado. O prédio de vidro temperado, moderno e automatizado, revela o quanto fomos negligentes no passado. Mas ele é também o testemunho do muito que se pode fazer com pouco e a esperança de fazermos ainda melhor. Para mim, essa conquista foi tão importante como a primeira travessa de vidro temperado que levei para casa, com o dinheiro que ganhei como engraxate. Agora podemos dizer com orgulho que temos uma moradia digna da grandiosidade de nossas profissões.
Porém, mais importante do que toda a infraestrutura que construímos, é o sistema de gestão via web que desenvolvemos, colocando o Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo.ao acesso da população, dos profissionais e de seus gestores de qualquer lugar do mundo. Seremos o primeiro órgão público a abolir o uso do papel. Iremos disseminar para o Brasil esse novo modelo de gestão do bem público.
Dos anos de ditadura, herdamos a desconfiança, a descrença e a intriga. O segredo de nosso sucesso está em não se apequenar nas coisas que nos diminui e nos imobiliza. Valorizando o trabalho do outro, conseguimos criar e inspirar uma equipe com mais de 100 funcionários. Devemos a eles todas as nossas conquistas.
Nas cinzas da antiga casa encontramos o trabalho dos que vieram antes de nós. Devemos a eles o reconhecimento e a organização inicial de nossas profissões. Se hoje estamos no topo da produção técnico-científica, agradecemos aos nossos milhares de mestres e doutores. A conquista e expansão do mercado de trabalho, para muito além das fronteiras originais, devem ser tributadas ao espírito empreendedor de nossos profissionais. A eleição de vários profissionais para cargos públicos revela que, finalmente, assumimos a cidadania na plenitude.
Na "Calçada Mão da Fama" está esculpido no mármore o tributo ao trabalho que nossos profissionais realizaram nos 40 anos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. A escolha dos 40 profissionais não foi fácil, posto que os 150 mil profissionais no Brasil são todos dignos dessa honraria. Mas o importante é o simbolismo do gesto de reconhecer e homenagear o outro. Precisamos disseminar a cultura de olhar para o lado positivo e bonito das pessoas. Também está na pedra o nome daqueles que se destacaram no desenvolvimento de nossas profissões, mas que não viveram para testemunhar nossas conquistas.
As mãos dos homenageados estão abertas na entrada da sede, para que o trabalho delas sirva como nossa inspiração. Apesar da chuva torrencial que caiu na noite do dia 26 de novembro de 2009, a esquina da rua Cincinato Braga com a Teixeira da Silva, a 100 metros do metrô Brigadeiro, estava lotada. Agradeço a todos os presentes, na figura do prefeito da cidade de São Paulo Gilberto Kassab, por ter nos ajudado a escrever na história mais uma conquista da Fisioterapia e da Terapia Ocupacional no Brasil.
Na frente do prédio está escrito, embaixo do símbolo da República do Brasil: Crefito-SP - Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo. Dedico essa conquista aos conselheiros e funcionários do CREFITO-SP, que me ajudaram a olhar para frente, em busca do que, para muitos, era apenas mais um compromisso eleitoral. Agradeço também o carinho e a cumplicidade da minha esposa Nádia e de meus filhos, Gabriela, Bárbara e João Marcos.
Nossos feitos não foram realizados para agradar o outro, mas para contentar e dar sentido às nossas próprias vidas, que estão transbordando de alegria. Feliz Natal e um 2010 cheio de travessas de vidro temperado e com mais empregos para nossos profissionais.
Gil Lúcio Almeida, fisioterapeuta, mestre, PhD e presidente do CREFITO-SP.
Autor do livro “O engraxate que virou PhD”

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Os interesses da vida devem prevalecer sobre o corporativismo

Portugal engessou o desenvolvimento das profissões da saúde dando aos médicos a exclusividade de fazer diagnóstico e prescrição terapêutica das doenças. Hoje importa os serviços dos profissionais do Brasil. Isso porque o Brasil adotou o modelo dos países desenvolvidos, evitando regulamentar as profissões. E as regulamentadas tiveram legislação genérica, permitindo que a meritocracia prevalecesse nas equipes multidisciplinares. Assim nasceram as 13 profissões da saúde (Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Terapia Ocupacional e Técnicos de Radiologia), com 3 milhões de profissionais, entre eles 340 mil médicos.
Na contramão da história, a Câmara acaba de aprovar o projeto de lei do ato médico (PL 7.703), dando aos médicos o direito exclusivo de realizar diagnóstico da doença e prescrição terapêutica. Para adquirir as habilidades e competências das 13 profissões da saúde, eles precisariam estudar, no mínimo, mais 50 anos. Como admitir que os médicos atuem em áreas que não têm treinamento? Como aceitar um regramento que pode impedir a população de ter livre acesso aos serviços de saúde?
Os 80 médicos deputados que lideraram a aprovação do projeto agiram como corporativistas, em detrimento dos interesses do eleitor. Nos serviços de saúde do Brasil imperam o respeito pelas virtudes que cada profissional agrega à vida. Esse projeto irá apenas espalhar a cisão entre eles.
O Sistema Único de Saúde paga anualmente um bilhão de consultas médicas, que geram meio bilhão de exames e um custo bilionário de medicamentos. Apesar disso, há 50 milhões de doentes crônicos e o brasileiro vive uma década a menos do que poderia. Claro está que o sistema de saúde perdeu a capacidade de fazer diagnósticos clínicos e de apresentar resultados aceitáveis.
A maioria dos profissionais continua desempregada. Os que encontram trabalho ganham menos de 7 reais por tratamento. Assim, os altos custos da saúde são creditados à manutenção da máquina burocrática e à indústria dos exames e do medicamento.
Para mudar essa realidade, o Estado precisa colocar os profissionais da saúde a serviço da vida. Três em cada quatro brasileiros recorrem ao poder público para ter acesso a serviços de saúde. No lugar de uma consulta médica de no máximo 5 minutos, os profissionais da saúde, junto com os médicos, podem oferecer um diagnóstico completo e um tratamento que gera resultados.
Gil Lúcio Almeida é presidente do Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo e autor do livro O Engraxate que virou PhD.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O MINISTÉRIO DA SAÚDE A SERVIÇO DA DOENÇA

O site http://www.portaltransparencia.gov.br revela que em 2008 o Governo Federal arrecadou em impostos 1,134 trilhões de reais. Deste total, R$ 50,5 bilhões foram gastos em saúde, ou seja, 4,45%. Por outro lado, em boa parte dos países, os governos centrais gastam em média 15% do que arrecadam com a saúde da população.

Dos R$ 50,5 bilhões aplicados pelo Governo Federal em saúde no Brasil, R$ 35,2 bilhões foram transferidos aos estados e municípios e R$ 15,3 bilhões gastos diretamente pelo Ministério da Saúde. Dos R$ 35,2 bilhões, R$ 27,8 bilhões (80%) foram gastos com procedimentos de média e alta complexidade, sobrando R$ 7,4 bilhões (10 centavos por dia por habitante) para a prevenção de doenças e a promoção da saúde.

O Ministério da Saúde informa que em 2008 o Governo Federal realizou 1.034.992.116 consultas, a um custo de R$ 2,5 bilhões. Essas consultas geram 573.917.793 exames a um custo de R$ 3,6 bilhões e mais R$ 5,4 bilhões são gastos em medicamentos. Como 25% da população possui planos de saúde, portanto não é atendida pelo SUS, o dinheiro do Ministério da Saúde estaria sendo usado para atender 144 milhões de brasileiros. Em outras palavras, o Governo gasta mais com exames e medicamentos do que com o pagamento dos profissionais da saúde.

Os resultados obtidos com os mais de meio bilhão de exames ao ano são mantidos a sete chaves. Não querem revelar à população que a maioria absoluta desses exames são negativos, o que comprovaria a incapacidade do SUS em fazer exames clínicos e evitar a instalação de disfunções e doenças.

Como explicar que, apesar dessa enorme cobertura em termos de consultas e de sermos uma população jovem, temos 50 milhões de portadores de doenças crônicas e ainda vivemos uma década a menos do que poderíamos? Os dados acima demonstra que o Governo Lula alimenta a indústria da doença, no lugar de promover a saúde e o bem-estar.

Na prevenção da doença, representada principalmente pelo Programa de Saúde da Família, o Governo emprega 29 mil equipes, formadas por médicos, enfermeiros e agentes comunitários, a um custo de R$ 2,3 bilhões em 2008. Em tese, essas equipes atenderiam 90 milhões de habitante. Assim, os alarmantes aumentos nos gastos com saúde não podem ser atribuídos aos salários dos profissionais. Apenas para citar um exemplo, um fisioterapeuta recebe menos de 6 reais por um atendimento.

Precisamos dar uma virada na administração da saúde, colocando fim à indústria da doença. Um bom começo seria o Congresso Nacional obrigar todos os prestadores de serviços de saúde a divulgarem os resultados dos exames e dos medicamentos vendidos ao poder público. Fica também mais barato se o Ministério da Saúde contratar os profissionais da saúde, colocando suas virtudes a serviço da vida da população. Essas duas medidas ajudariam a reduzir os custos com saúde e a prolongar e melhorar a qualidade de vida da população.

Hoje o governo gasta muito menos com saúde em proporção às riquezas produzidas pelo país e é preciso resolver este problema. Porém, antes de criar novos impostos, como a Contribuição Social para a Saúde (CSS), antiga CPMF, para financiar a saúde, é preciso melhorar a resolutividade dos recursos investidos.

Prof. Dr. Gil Lúcio Almeida
Autor do livro O Engraxate que virou PhD
www.gillucio.com

terça-feira, 1 de setembro de 2009

É preciso preservar a autonomia dos profissionais da saúde e disponibilizar seus serviços à população

Algumas lideranças médicas tentam, há anos, restringir a autonomia dos profissionais da saúde. O projeto, que ficou conhecido como ATO MÉDICO (PL n. 7703/06 - clique aqui), acaba de ser aprovado na Comissão de Trabalho de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados Federais, dando aos médicos a exclusividade do diagnóstico e da prescrição dos tratamentos.

O projeto aprovado está melhor do que a versão original do Senado, na medida em que foram estabelecidos, também, alguns atos privativos de outras profissões da saúde. Esse projeto ainda será discutido em outras comissões antes de ser votado no Plenário da Câmara e retornar ao Senado.

Desde 2004, o Crefito-SP defende que a população tem o direito ao livre acesso aos profissionais da saúde, sem que tenham de passar necessariamente por uma consulta e prescrição médica. Ao dar aos médicos a prerrogativa exclusiva do diagnóstico nosológico (doenças) e da prescrição terapêutica (tratamento), o PL 7703/06 retrocede ao passado e acaba com a autonomia dos profissionais da saúde. Para atender seus pacientes e clientes, os profissionais da saúde precisariam esperar o encaminhamento de um médico com o diagnóstico da doença e a receita do atendimento que eles deveriam executar.

Em outras palavras, na forma como está, este projeto os transformaria em técnicos dos médicos. O ESTADO não pode admitir que um profissional da saúde socorra a vida, sem ao menos saber quais são os principais sinais e sintomas (diagnóstico da doença) que acometem a vida do paciente. Para preservar os interesses da vida, o ESTADO deve manter a autonomia dos profissionais da saúde, mas cobrar deles um atendimento de qualidade, punindo rigorosamente, civil e criminalmente, a má prática de seus atos privativos.

Como admitir que os médicos façam a prescrição terapêutica em áreas do conhecimento (i.e., Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Enfermagem, Nutrição, Educação Física, Serviço Social, Psicologia, Farmácia, Odontologia, Biomedicina) em que eles nunca tiveram qualquer tipo de treinamento? A maioria dos pacientes (75%) é portadora de doenças crônicas. As principais doenças possuem causas multifatoriais. Cada profissional da saúde é treinado para diagnosticar e tratar aspectos específicos dessas doenças. Assim, o correto seria o ESTADO promover a autonomia desses profissionais, colocando as habilidades e competências de cada um a serviço da vida saudável.

No entanto, o Ministério da Saúde tem apoiado o referido Projeto de Lei sob o argumento de que este é bom para o SUS. Acredito que o objetivo não declarado do Governo é usar os médicos para fazer uma triagem, dificultando e evitando a obrigação da oferta dos serviços dos profissionais da saúde à população. Afinal, a Constituição Federal e outras leis estabelecem que saúde é direito de todos e dever do ESTADO. É exatamente por causa desse direito que a Justiça tem obrigado o Governo Federal a gastar mais de meio bilhão de reais por ano ofertando serviços de saúde para o contribuinte. Essa conta tende a aumentar, à medida que a população descobre que se recorrer ao Ministério Público, pode obrigar o ESTADO a ofertar os serviços de saúde.

Vejamos a realidade da saúde no Brasil apresentada pelo próprio Ministério da Saúde. Em 2008, o Governo Federal realizou 1.034.992.116 consultas, a um custo de R$ 2,5 bilhões (R$ 2,4 reais em média cada). Essas consultas geraram 573.917.793 exames (R$ 6,3 reais em média cada). Foi uma média de 5,4 consultas por brasileiro, a um custo total ao Governo de 5,4 bilhões, apenas em medicamentos. Como explicar que apesar dessa enorme cobertura e de sermos uma população jovem, temos 50 milhões de portadores de doenças crônicas e ainda vivemos uma década a menos do que poderíamos? Os dados do Governo Federal demonstram como funciona e opera a indústria da doença no Brasil.

Na prevenção da doença, representada principalmente pelo Programa de Saúde da Família, o Governo emprega 30 mil equipes (médico, enfermeiro e agente comunitário) a um custo de R$ 2,3 bilhões, em 2008. Em tese, essas equipes atenderiam 90 milhões de habitantes. Por outro lado, o gasto do Governo Federal com o pagamento de atendimentos prestados pelos profissionais da saúde é ínfimo. Apenas para citar um exemplo, um fisioterapeuta e terapeuta ocupacional recebem menos de R$ 6 reais por um atendimento. Portanto, não é a oferta e a remuneração dos profissionais da saúde que oneram os gastos do Governo nessa área.

Por trás do movimento do Ato Médico também estão os principais planos de saúde, os quais possuem representantes no Congresso Nacional, instalados nas principais Comissões que decidem o futuro dos projetos de lei. Esses planos de saúde acreditam que a oferta dos serviços dos profissionais da saúde poderia aumentar seus custos. Mantêm os profissionais da saúde trabalhando em contratos leoninos, sem reajuste há mais de 15 anos. Porém, não percebem que eles também são vítimas dos crescentes custos da indústria do diagnóstico e farmacêutica.

Acredito que a maioria absoluta dos médicos não concorda com o movimento corporativista e míope de parte de suas lideranças que tentam subjugar os profissionais da saúde. Os médicos sempre fizeram diagnóstico médico e prescrição médica muito bem. Foi graças ao exercício talentoso dessas habilidades e competências que eles lograram o respeito e admiração de todos, inclusive dos demais profissionais da saúde.

Para fazermos a virada na saúde, precisamos da união de todos os profissionais da saúde com a população. Essa mudança passa pela eleição de presidente, governadores, senadores e deputados federais em 2010 comprometidos com os interesses da vida saudável da população. Com um Congresso forte e vigilante dos interesses da sociedade poderemos impedir que projetos de lei, como o PL 7703/06, que fazem mal à saúde da população e aos interesses dos profissionais da saúde se transformem em leis.

Com um poder Executivo sensível aos interesses da saúde dos brasileiros, poderemos implementar uma revolução na administração pública, colocando os impostos do contribuinte a serviço da vida.



Prof. Dr. Gil Lúcio Almeida
Presidente do Crefito-SP e autor do livro O Engraxate que virou PhD.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Prescrever sempre que necessário

Dona Maria sofreu uma queda e ficou internada duas semanas. Teve alta e voltou para casa. Sem continuidade no tratamento, foi acometida por uma recaída e voltou para o hospital, onde permaneceu por mais dois meses. Antes e durante as duas internações, Dona Maria foi submetida a vários exames, um mais caro do que o outro. De sobra, teve que tomar doses sempre crescentes de medicamentos.

Durante a segunda internação, o fisioterapeuta explicou que se ela tivesse dado continuidade ao tratamento em sua casa, provavelmente estaria cozinhando, arrumando a casa ou mesmo trabalhando neste momento. Seu marido e os dois filhos também estariam em seus empregos, gerando riquezas para o país. Se tivesse sido orientada sobre os riscos de queda em seu ambiente de trabalho, possivelmente ainda não teria conhecido o que é uma internação hospitalar.

Dona Maria pediu então uma prescrição de atendimento de fisioterapia domiciliar. De volta para casa, procurou o Sistema Único de Saúde (SUS) e foi informada de que a prefeitura não oferecia aquele tipo de serviço. Escreveu uma carta para o Ministério Público Federal (MPF) de sua localidade relatando o seu problema e a necessidade de haver atendimento de fisioterapia no lar, comprovado pela prescrição do profissional. O MPF pediu na justiça e em menos de 48 horas Dona Maria estava sendo tratada em casa.

A princípio, o prefeito ficou chateado com os gastos adicionais do tratamento de Dona Maria. Porém, logo descobriu que ela não precisava mais voltar ao hospital, reduzindo, dessa forma, os caríssimos gastos com internação. O prefeito aprendeu também a enviar a conta para o governo federal e estadual. Eles também não gostaram dos custos não previstos com Dona Maria. No entanto, a exemplo do prefeito, logo aprenderam que o cumprimento daquela decisão judicial teve como consequência uma economia com os gastos com saúde.

Dona Maria passou a rir a toa, pois voltou ao trabalho e via também seus familiares trabalharem felizes. Um dia recebeu uma carta do presidente, homem de visão, agradecendo por ela ter lhe ensinado o segredo para a redução dos custos com saúde. Na eleição, em vez de mostrar prédios e equipamentos sofisticados, mostrou apenas o exemplo de Dona Maria. Ela aparecia em sua casa, sorridente, recebendo orientação sobre a melhor postura para desenvolver as suas atividades do dia-a-dia. Os políticos haviam descoberto que para reduzir os gastos com saúde e ganhar o voto do eleitor era preciso investir no indivíduo.

E pensar que tudo começou com uma guia de encaminhamento de um fisioterapeuta...

Gil Lúcio Almeida

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O motociclista sem cigarro

João fumava cinco maços de cigarro por dia. Dizia que era para aliviar a tensão de pilotar a sua moto por dez horas diariamente, cruzando os milhões de veículos da metrópole de São Paulo freneticamente. Queria ser mais um motoboy pontual. “Fazemos São Paulo girar mais rápida”, gabava-se, entre uma tragada e outra.

No cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, viu o corpo estendido de um colega. A roda dianteira da moto mostrava as manchas de sangue que ainda jorravam da cabeça daquele jovem homem. O corpo foi parar em uma ambulância e a agitação das avenidas logo retornou ao ritmo habitual.

Depois de três meses, João bateu na porta de seu colega. Encontrou o moço amarrado à cama, se contorcendo e berrando de dor. Havia perdido a habilidade de se comunicar com o mundo externo e andar. A mãe abraçou o visitante, exclamando: “Largue sua moto... veja o que sobrou de meu filho. Ele nunca mais voltará a ser uma pessoa normal”.

A cena do colega motoboy revirou a sua memória por uma semana, até que ele foi parar em uma exposição de corpos dessecados. O pulmão de um fumante inveterado estava com 90% da área tomada por pequenas pedras de carvão. Um ex-garçom, que nunca fumou, tinha a metade do pulmão tomada por aquelas pedras.

João amava demais a liberdade de correr sobre duas rodas. Não poderia procurar outro ofício. Resolveu então formar uma associação de motoboys e organizar cursos de direção defensiva. Mesmo assim, já foi vítima de quatro acidentes. Também procurou a ajuda de especialistas e curou o seu vício de fumar. Logo criou a turma dos motociclistas, como gostam de ser chamados. Na sua Harley Davidson, desfila com os amigos nos finais de semana e feriados na Rodovia Bandeirantes. O lema é “voar sem fumaças”. Cigarro nem pensar. Nos escapamentos das motos há redutores de poluição.

João soube da Lei Antifumo, nº 13.541, aprovada pelo governador José Serra, proibindo o fumo em ambientes públicos. Lembrou-se do pulmão do garçom e resolveu apoiar a lei. Sua turma promete uma passeata para o dia 7 de agosto de 2009. Irão defender uma cidade sobre duas rodas e sem fumaça. Eles irão também apoiar o prefeito Gilberto Kassab na tentativa de impedir que as motos sejam usadas como taxi na cidade de São Paulo. Sabem que nenhuma empresa aceitaria a ideia de vender seguros para moto-taxi na metrópole. No entanto, a maior missão deles é impedir que a vida de colegas e de passageiros sejam abortadas nas ruas de São Paulo.

João sempre ouviu dizer que mexer com interesses de fumantes e de motoboys não dá voto. No entanto, aplaude medidas que vão contra interesses que matam a vida saudável, acima de disputas eleitorais.

As milhares de vítimas do fumo ativo e passivo e dos acidentes de moto são pacientes dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Eles conhecem de perto o sofrimento e a dor dessas pessoas e de suas famílias. Para chegarmos aqui, nadamos e vencemos um milhão de outros espermatozóides. É mais fácil ganhar na loteria sozinho várias vezes do que conquistar o direto à vida. Portanto, não podemos aceitar e concordar com qualquer medida que coloque em risco o pleno gozo da vida saudável. Por essas razões, o Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo também apóia as corajosas medidas adotadas pelo Governo do Estado de São Paulo e pela Prefeitura da cidade de São Paulo.

Esperamos que os motoboys e os fumantes mirem-se no exemplo de João. Assim, viveremos mais e melhor.


Prof. Dr. Gil Lúcio Almeida
Presidente do CREFITOSP