quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Prescrever sempre que necessário

Dona Maria sofreu uma queda e ficou internada duas semanas. Teve alta e voltou para casa. Sem continuidade no tratamento, foi acometida por uma recaída e voltou para o hospital, onde permaneceu por mais dois meses. Antes e durante as duas internações, Dona Maria foi submetida a vários exames, um mais caro do que o outro. De sobra, teve que tomar doses sempre crescentes de medicamentos.

Durante a segunda internação, o fisioterapeuta explicou que se ela tivesse dado continuidade ao tratamento em sua casa, provavelmente estaria cozinhando, arrumando a casa ou mesmo trabalhando neste momento. Seu marido e os dois filhos também estariam em seus empregos, gerando riquezas para o país. Se tivesse sido orientada sobre os riscos de queda em seu ambiente de trabalho, possivelmente ainda não teria conhecido o que é uma internação hospitalar.

Dona Maria pediu então uma prescrição de atendimento de fisioterapia domiciliar. De volta para casa, procurou o Sistema Único de Saúde (SUS) e foi informada de que a prefeitura não oferecia aquele tipo de serviço. Escreveu uma carta para o Ministério Público Federal (MPF) de sua localidade relatando o seu problema e a necessidade de haver atendimento de fisioterapia no lar, comprovado pela prescrição do profissional. O MPF pediu na justiça e em menos de 48 horas Dona Maria estava sendo tratada em casa.

A princípio, o prefeito ficou chateado com os gastos adicionais do tratamento de Dona Maria. Porém, logo descobriu que ela não precisava mais voltar ao hospital, reduzindo, dessa forma, os caríssimos gastos com internação. O prefeito aprendeu também a enviar a conta para o governo federal e estadual. Eles também não gostaram dos custos não previstos com Dona Maria. No entanto, a exemplo do prefeito, logo aprenderam que o cumprimento daquela decisão judicial teve como consequência uma economia com os gastos com saúde.

Dona Maria passou a rir a toa, pois voltou ao trabalho e via também seus familiares trabalharem felizes. Um dia recebeu uma carta do presidente, homem de visão, agradecendo por ela ter lhe ensinado o segredo para a redução dos custos com saúde. Na eleição, em vez de mostrar prédios e equipamentos sofisticados, mostrou apenas o exemplo de Dona Maria. Ela aparecia em sua casa, sorridente, recebendo orientação sobre a melhor postura para desenvolver as suas atividades do dia-a-dia. Os políticos haviam descoberto que para reduzir os gastos com saúde e ganhar o voto do eleitor era preciso investir no indivíduo.

E pensar que tudo começou com uma guia de encaminhamento de um fisioterapeuta...

Gil Lúcio Almeida

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O motociclista sem cigarro

João fumava cinco maços de cigarro por dia. Dizia que era para aliviar a tensão de pilotar a sua moto por dez horas diariamente, cruzando os milhões de veículos da metrópole de São Paulo freneticamente. Queria ser mais um motoboy pontual. “Fazemos São Paulo girar mais rápida”, gabava-se, entre uma tragada e outra.

No cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, viu o corpo estendido de um colega. A roda dianteira da moto mostrava as manchas de sangue que ainda jorravam da cabeça daquele jovem homem. O corpo foi parar em uma ambulância e a agitação das avenidas logo retornou ao ritmo habitual.

Depois de três meses, João bateu na porta de seu colega. Encontrou o moço amarrado à cama, se contorcendo e berrando de dor. Havia perdido a habilidade de se comunicar com o mundo externo e andar. A mãe abraçou o visitante, exclamando: “Largue sua moto... veja o que sobrou de meu filho. Ele nunca mais voltará a ser uma pessoa normal”.

A cena do colega motoboy revirou a sua memória por uma semana, até que ele foi parar em uma exposição de corpos dessecados. O pulmão de um fumante inveterado estava com 90% da área tomada por pequenas pedras de carvão. Um ex-garçom, que nunca fumou, tinha a metade do pulmão tomada por aquelas pedras.

João amava demais a liberdade de correr sobre duas rodas. Não poderia procurar outro ofício. Resolveu então formar uma associação de motoboys e organizar cursos de direção defensiva. Mesmo assim, já foi vítima de quatro acidentes. Também procurou a ajuda de especialistas e curou o seu vício de fumar. Logo criou a turma dos motociclistas, como gostam de ser chamados. Na sua Harley Davidson, desfila com os amigos nos finais de semana e feriados na Rodovia Bandeirantes. O lema é “voar sem fumaças”. Cigarro nem pensar. Nos escapamentos das motos há redutores de poluição.

João soube da Lei Antifumo, nº 13.541, aprovada pelo governador José Serra, proibindo o fumo em ambientes públicos. Lembrou-se do pulmão do garçom e resolveu apoiar a lei. Sua turma promete uma passeata para o dia 7 de agosto de 2009. Irão defender uma cidade sobre duas rodas e sem fumaça. Eles irão também apoiar o prefeito Gilberto Kassab na tentativa de impedir que as motos sejam usadas como taxi na cidade de São Paulo. Sabem que nenhuma empresa aceitaria a ideia de vender seguros para moto-taxi na metrópole. No entanto, a maior missão deles é impedir que a vida de colegas e de passageiros sejam abortadas nas ruas de São Paulo.

João sempre ouviu dizer que mexer com interesses de fumantes e de motoboys não dá voto. No entanto, aplaude medidas que vão contra interesses que matam a vida saudável, acima de disputas eleitorais.

As milhares de vítimas do fumo ativo e passivo e dos acidentes de moto são pacientes dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Eles conhecem de perto o sofrimento e a dor dessas pessoas e de suas famílias. Para chegarmos aqui, nadamos e vencemos um milhão de outros espermatozóides. É mais fácil ganhar na loteria sozinho várias vezes do que conquistar o direto à vida. Portanto, não podemos aceitar e concordar com qualquer medida que coloque em risco o pleno gozo da vida saudável. Por essas razões, o Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo também apóia as corajosas medidas adotadas pelo Governo do Estado de São Paulo e pela Prefeitura da cidade de São Paulo.

Esperamos que os motoboys e os fumantes mirem-se no exemplo de João. Assim, viveremos mais e melhor.


Prof. Dr. Gil Lúcio Almeida
Presidente do CREFITOSP