quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O motociclista sem cigarro

João fumava cinco maços de cigarro por dia. Dizia que era para aliviar a tensão de pilotar a sua moto por dez horas diariamente, cruzando os milhões de veículos da metrópole de São Paulo freneticamente. Queria ser mais um motoboy pontual. “Fazemos São Paulo girar mais rápida”, gabava-se, entre uma tragada e outra.

No cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, viu o corpo estendido de um colega. A roda dianteira da moto mostrava as manchas de sangue que ainda jorravam da cabeça daquele jovem homem. O corpo foi parar em uma ambulância e a agitação das avenidas logo retornou ao ritmo habitual.

Depois de três meses, João bateu na porta de seu colega. Encontrou o moço amarrado à cama, se contorcendo e berrando de dor. Havia perdido a habilidade de se comunicar com o mundo externo e andar. A mãe abraçou o visitante, exclamando: “Largue sua moto... veja o que sobrou de meu filho. Ele nunca mais voltará a ser uma pessoa normal”.

A cena do colega motoboy revirou a sua memória por uma semana, até que ele foi parar em uma exposição de corpos dessecados. O pulmão de um fumante inveterado estava com 90% da área tomada por pequenas pedras de carvão. Um ex-garçom, que nunca fumou, tinha a metade do pulmão tomada por aquelas pedras.

João amava demais a liberdade de correr sobre duas rodas. Não poderia procurar outro ofício. Resolveu então formar uma associação de motoboys e organizar cursos de direção defensiva. Mesmo assim, já foi vítima de quatro acidentes. Também procurou a ajuda de especialistas e curou o seu vício de fumar. Logo criou a turma dos motociclistas, como gostam de ser chamados. Na sua Harley Davidson, desfila com os amigos nos finais de semana e feriados na Rodovia Bandeirantes. O lema é “voar sem fumaças”. Cigarro nem pensar. Nos escapamentos das motos há redutores de poluição.

João soube da Lei Antifumo, nº 13.541, aprovada pelo governador José Serra, proibindo o fumo em ambientes públicos. Lembrou-se do pulmão do garçom e resolveu apoiar a lei. Sua turma promete uma passeata para o dia 7 de agosto de 2009. Irão defender uma cidade sobre duas rodas e sem fumaça. Eles irão também apoiar o prefeito Gilberto Kassab na tentativa de impedir que as motos sejam usadas como taxi na cidade de São Paulo. Sabem que nenhuma empresa aceitaria a ideia de vender seguros para moto-taxi na metrópole. No entanto, a maior missão deles é impedir que a vida de colegas e de passageiros sejam abortadas nas ruas de São Paulo.

João sempre ouviu dizer que mexer com interesses de fumantes e de motoboys não dá voto. No entanto, aplaude medidas que vão contra interesses que matam a vida saudável, acima de disputas eleitorais.

As milhares de vítimas do fumo ativo e passivo e dos acidentes de moto são pacientes dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Eles conhecem de perto o sofrimento e a dor dessas pessoas e de suas famílias. Para chegarmos aqui, nadamos e vencemos um milhão de outros espermatozóides. É mais fácil ganhar na loteria sozinho várias vezes do que conquistar o direto à vida. Portanto, não podemos aceitar e concordar com qualquer medida que coloque em risco o pleno gozo da vida saudável. Por essas razões, o Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo também apóia as corajosas medidas adotadas pelo Governo do Estado de São Paulo e pela Prefeitura da cidade de São Paulo.

Esperamos que os motoboys e os fumantes mirem-se no exemplo de João. Assim, viveremos mais e melhor.


Prof. Dr. Gil Lúcio Almeida
Presidente do CREFITOSP

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